A pseudoartrose do escafóide é a complicação mais comum da fratura desse osso, e quer dizer que o osso não consolidou (não colou/ grudou). Ela pode ocorrer por falha em reconhecer a fratura inicialmente (falha do diagnóstico) ou por falha do tratamento instituído (cirúrgico ou não). Tratamento correto e especializado é muito importante para que se tente evitar complicações mais severas.
Anatomia Vascular
Conhecendo a anatomia, em especial a vascularização do escafóide, podemos entender a tendência existente para dificuldades de consolidação e consequente evolução para pseudoartrose.
A maior parte da superfície do escafóide (aproximadamente 80%) é articular e coberta de cartilagem. Essa predominância articular faz com que a área existente para entrada do suprimento sanguíneo seja limitada e concentrada.
Setenta a oitenta por cento da vascularização intraóssea é oriunda da artéria radial e penetra através de um pequeno forame localizado na região dorsal e distal do osso, fazendo com que haja um percurso retrógrado, ou seja, que a vascularização caminhe de distal para proximal. Há ramos volares da artéria radial que fornecem de 20 a 30% do suprimento sanguíneo da região da tuberosidade distal do escafóide e há também diminuta contribuição através de vasos que penetram na região proximal do escafóide ao longo das fibras do ligamento radioescafossemilunar (Testut).
O polo proximal é totalmente articular e recebe irrigação praticamente apenas por ramos intraósseos, tornando-o extremamente suscetível à necrose avascular, com estimativas de ocorrência entre 13% a 50% das fraturas deste polo e ainda maior se o fragmento proximal contiver 20% ou menos de todo escafóide.
Epidemiologia
A fratura e a pseudoartrose do escafóide estão entre as lesões mais comuns envolvendo o punho.
A pseudoartrose do escafóide é mais comum em homens, e, embora possa ocorrer nos extremos de idade, é mais frequente da segunda a quinta décadas de vida.
História Clínica e Sintomas
O paciente com pseudoartrose do escafóide pode se apresentar com queixa de dor relacionada a um trauma recente (responsável por exacerbação dos sintomas – as alterações do RX nos ajudam a saber se é uma fratura aguda ou antiga)
Muitas vezes o paciente se lembra se algum episódio de trauma no passado, em que não procurou atendimento ou procurou e foi informado que as radiografias estavam normais e que a dor era apenas pela “pancada”.
Pode haver história de dor recorrente no punho. Queixas relacionadas à diminuição da força também são frequentes.
Normalmente a amplitude de movimento é dolorosa e diminuída em relação ao lado contralateral. Força de preensão costuma estar diminuída.
Sintomas dolorosos são exacerbados geralmente com extensão e, principalmente, como desvio radial contra resistência. Isso ocorre de forma mais importante se alterações degenerativas entre o rádio e o escafóide estiverem presentes.
Deformidade Óssea na Pseudoartrose
O que é deformidade em humpback?
É a deformidade gerada pela tendência do escafóide “dobrar” após estar quebrado.
Essa tendência de flexão faz com que nos casos de fratura/pseudartrose possa surgir a clássica deformidade em “corcunda” (humpback).
A deformidade do escafóide altera a dinâmica normal dos ossos do carpo e tem como consequência a evolução para artrose, que será comentada mais adiante no texto.
O que é DISI ?
A deformidade em DISI é uma alteração do alinhamento normal dos ossos do punho. O semilunar assume uma posição com sua concavidade voltada para o dorso (fica mais extendido) e o escafóide fica mais fletido. É algo que ocorre muito nas lesões do ligamento escafossemilunar.
Desalinhamento carpal, com deformidade em DISI também pode ocorrer nos casos de pseudoartrose do escafóide.
Exames de Imagem
Radiografias
Há posições específicas que são solicitadas para a melhor avaliação do escafóide.
No Rx é possível observar alterações que demostram desvio do escafóide, como sinal do anel cortical nas radiografias anteroposteriores e desvio em DISI, na radiografia de perfil.
Fragmento ósseo proximal esclerótico (mais branco que o esperado) pode representar existência de osteonecrose, apesar de que o método mais fidedigno para este diagnóstico é a ausência se sangramento ósseo no intra-operatório.
Também é possível notar alterações que sugerem pseudoartrose e não fratura aguda. Cistos, geodos e reabsorção óssea no foco de fratura, quando presentes, são sugestivos de lesões antigas. Isto é útil principalmente nos casos de pseudoartrose que se apresentam com história de trauma recente e dor.
Tomografia Computadorizada
É importante que a tomografia seja feita no plano do eixo longitudinal do escafóide. Esta técnica tem como vantagem identificar perda óssea e desvios do escafóide de forma mais acurada, observando de forma clara, por exemplo, a deformidade em corcova (humpback). É possível também realizar uma reconstrução 3D das imagens, o que auxilia no entendimento das deformidades, quando presentes.
A tomografia computadorizada é considerada também a melhor forma de analisar a consolidação do escafóide X pseudoartrose, sendo de grande utilidade no controle pós-operatório. Também é útil para pesquisar a presença de alterações degenerativas (osteoartrose) nas articulações radiocárpica e médio-cárpica.
Ressonância Magnética
No caso de trauma agudo, a ressonância magnética é o exame “padrão ouro” para o diagnostico de fraturas ocultas.
Nos casos de pseudoartrose, é utilizada para avaliar a vascularização óssea, quando há suspeita de necrose avascular Embora a melhor maneira de sabermos se há necrose avascular é com a avaliação intra-operatória.
Tratamento
Os estudos relacionados à história natural da evolução das pseudoartroses indicam uma incidência de quase 100% de achados radiográficos de artrose do punho entre 5 e 20 anos da lesão inicial, nos pacientes sintomáticos.
A pseudoartrose do escafóide é vista na maior parte das vezes em adultos jovens. Sabendo que uma artrose do punho que comprometa a função do membro superior pode surgir, devemos nos preocupar em realizar o tratamento cirúrgico antes que as alterações degenerativas (osteoartrose) apareçam.
A escolha de qual método de tratamento empregar nos casos de pseudoartrose leva em conta se há deformidade ou não do escafóide, como angulação e/ou encurtamento, desvio em DISI do punho e presença de osteonecrose do fragmento proximal.
Para a fixação óssea geralmente são usados parafusos ou placa.
Pseudoartrose sem alterações degenerativas
- Fixação sem enxertia óssea
Artigos recentes demonstram bons resultados através da fixação sem enxertia óssea de pseudoartroses do escafóide, em que não há deformidade em corcova (humpback), desalinhamento carpal e nem alterações degenerativas (osteoartrose).
- Fixação com enxertia óssea
Essa é uma técnica muito empregada nos casos de pseudoartrose do escafóide. O enxerto ósseo geralmente é retirado da bacia (ou do próprio punho- 1/3 distal do rádio)
Nos casos em que há pseudoartrose do escafóide associada à deformidade em humpback e DISI, a opção é pelo enxerto da bacia, por ser mais estruturado (“forte”). A correção da anatomia do escafóide, corrigindo sua deformidade em flexão e restaurando seu comprimento, é fundamental para o restabelecimento do alinhamento carpal.
Se houver ostenecrose?
Dependerá de cada caso, mas podem ser empregadas técnicas que utilizam enxertos ósseos vascularizados (mais corretamente chamados de retalhos).
Nesse caso os fragmentos ósseos já levam consigo a vascularização. A área doadora pode ser no próprio punho ou até no joelho.
Alterações Degenerativas
Se a pseudoartrose do escafóide não for tratada, sua história natural é a evolução para artrose do punho, conhecida como SNAC (scaphoid nonunion advanced collapse).
Classificação da artrose do punho decorrente da evolução da pseudoartrose do escafóide:
- Estágio I: Artrose localizada entre o escafóide distal e o estiloide do rádio.
- Estágio II: Envolvimento adicional entre o escafóide e o capitato
- Estágio III: Progressão para articulação entre o capitato e o semilunar.
- Estágio IV: Introduzido após, há fontes literárias que não o incluem. Representa a “pan artrose”, quando passa a haver envolvimento importante da articulação radiocarpal.
Tratamento segundo a evolução das alterações degenerativas.
- SNAC I:
Nesta fase inicial da artrose do punho, ainda podemos “investir” no escafóide.
O tratamento classicamente recomendado é a remoção de um “bico”no rádio (estiloidectomia) associada a uma das técnicas descritas anteriormente para tratamento da pseudoartrose do escafoide.
- SNAC II:
A partir desse estágio não há mais indicação de tratarmos o escafóide em si, pois a artrose do punho já está mais evoluída. O tratamento visa aliviar sintomas e melhorar o alinhamento do punho.
As cirurgias geralmente realizadas nesse estágio são:
- Ressecção da primeira fileira do carpo (alguns dos pequenos ossos do punho são removidos)
- Artrodeses parciais – o escafóide é removido e alguns óssos são “grudados” (como na artrodese dos “quatro cantos” ou na artrodese semilinar-capitato)
- SNAC III:
Por haver presença de alterações degenerativas na cabeça do capitato, o procedimento tradicional de ressecção da fileira proximal do carpo está contra-indicado.
Neste estágio, ressecção do escafoide associada à artrodese parcial do punho (semilunar-capitato ou quatro cantos) é indicada.
- SNAC IV:
Quando a artrose está muito avançada, tendo atingido a articulação radio-cárpica (“pan-artrose”), o procedimento mais indicado é a artrodese total do punho. (fusão do punho – que ocasiona perda total da flexo extensão – paciente não vai mais “dobrar e esticar”)
Obviamente cada caso deve ser avaliado individualmente… Muitos pacientes atendidos apresentam artrose avançada do punho mas ainda mantém boa função, com mobilidade satisfatória e dor não incapacitante.
Outros procedimentos podem ser propostos em casos assim, visando a manutenção da movimentação do punho e melhora da qualidade de vida. Todo o tratamento é sempre discutido e explicado em detalhes aos pacientes.
A pseudoartrose do escafoide, quando não tratada, tem como história natural sua evolução para artrose progressiva do punho. Tais alterações geram danos funcionais que podem ter um grande prejuízo na realização das atividades do dia a dia.
O correto tratamento das pseudoartroses é fundamental. Quando o paciente já apresenta alterações degenerativas, estagiar a artrose e indicar o tratamento adequado é muito importante.
Importante: Todo tratamento ideal deve ser individualizado e definido após uma avaliação médica criteriosa. O Núcleo de Ortopedia Especializada possui especialistas renomados em todas as áreas da Ortopedia moderna. Consulte um ortopedista especialista em mãos.
Referências:
Greens Operative Hand Surgery
Livro Proato – Programa de atualização em Ortopedia e Traumatologia (capítulo de livro de autoria da Dra Renata Paulos)
https://surgeryreference.aofoundation.org/
Journal of Hand Surgery
FAQ
Pseudoartrose é o nome dado para a fratura que não consolidou, ou seja, o osso não grudou e permanece “quebrado”. O escafóide é um osso mais predisposto a evoluir para pseudoartrose. Outros fatores que aumentam a chance de pseudoartrose são: tabagismo, infecção óssea e alguns problemas de saúde.
Outros procedimentos menos invasivos podem sim ser indicados a depender do caso. Importante ter ciência que não são procedimentos curativos, mas uma tentativa de melhora temporária. Cada caso precisa ser avaliado individualmente, mas algumas vezes podemos indicar ressecção de uma porção do escafóide ou procedimentos menos invasivos, feitos com artroscopia.
Quando a fratura e a pseudoartrose do escafóide não são tratadas, a tendência é o surgimento e evolução de alterações degenerativas no punho. Isto é, o punho passa a ter artrose, que tende a se tornar progressiva, causando dor e perda de movimento.